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Mestre Lou e Yan - Como vai querer o seu chá?

por Daniela Maistrovicz


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No esquecido vilarejo, para lá dos montes mais elevados do leste, quase dobrando a esquina do fim do mundo, mestre Lou capinava o matinho, que não passava da alça das suas sandálias surradas. Com as mãos curtidas, pelos tantos trabalhos já desempenhados, ia arrancado cada um deles, pela raiz.


Yan, seu mais novo discípulo, um jovem recém chegado, oriundo das terras aceleradas que ficavam a oeste das montanhas nevadas, observava atento, ávido por sair do silêncio que era sempre encorajado por seu mentor. Com as pernas ouriçadas, demonstrando em movimentos frenéticos o quanto aquela quietude lhe era desconfortável, não mais aguentando, pronunciou-se:


- Não compreendo mestre Lou. Estas a reduzir um matinho que já está baixo, e ainda no jardim da casa de um mal feitor. Todos as quintas, chegamos aqui, o senhorio nos recebe com pedras, nos faz esperar por horas, para só então jogar nos nossos pés as sobras daquelas madeiras esfarpadas que nos esfolam as mãos. Levando todo esse entulho daqui, fazemos um favor a ele, e ainda assim, nem nos agradece...E o senhor, no entanto, fica aí, fazendo a manutenção do jardim dele, de graça. Por que ages assim?


Mestre Lou, impassível, com o mesmo semblante sereno e imaculado e seu sorrisinho satisfeito, continuou concentrado no seu ofício.


Yan havia já se acostumado, suas maneiras impacientes e desconcertantes não produziam o menor efeito sobre mestre Lou. As respostas viriam somente muito depois, meses até.


Passados vinte e um dias, lá estavam mestre e discípulo novamente:


- Vê aquele lado ali? A erva daninha está mais alta do que aqui, tomou conta das boas plantas. Deixei de propósito para que você visse – disse mestre Lou, já retomando seu ofício.


Yan aguardou um tempo, e inconformado com a evasiva, arriscou-se mais uma vez:


- Perdoe-me mestre, não compreendi. Ainda não me respondeu porque arranca os matinhos. Estou vendo, as ervas daninhas se alastraram, cresceram muito mais rápido do que as plantas de uso medicinal e do que os alimentos. Tomaram conta dessas até, as sufocaram. Já esse lado, em que o senhor arranca todas as semanas, as boas plantas estão viçosas, cresceram. Percebi também que a horta diminuiu, alguém anda comendo. Não sei se bichos ou pessoas...Ou insetos até. Mas ainda não entendo o que o senhor ganha com essa atitude...


- Já respondeste a própria dúvida, caro discípulo. Apenas não deu-se conta. Faço apenas por fazer. Porque estou aqui e quero servir, e já que vou ter que esperar... Sou um habitante do mundo, a Terra é a minha casa. Se tomarmos a iniciativa, nos anteciparmos nas pequenas ações que se avolumam a nossa volta, diariamente, com cuidado e vigilância, sem pretensões, sem vislumbrar recompensas, cortaremos o mal pela raiz, estaremos cumprindo nosso papel de visitantes desse belo planeta que nos acolheu. No grande hotel chamado Terra, cabe a cada um fazer sua parcela. E se eu não arrancar os matinhos, será que alguém o fará?


Concluído seu raciocínio filosófico, mestre Lou arrancou um belo e viçoso ramo de ervas que usava para fazer um aromático chá, o preferido de Yan. A planta havia brotado sozinha na parte onde estava livre das ervas daninhas, e tinhas as folhas mais verdes e viçosas. Absorveu o delicioso perfume numa respiração profunda, e com seu sorrisinho amistoso, entregou-o ao jovem aprendiz. E enigmático, já se retirando para o outro lado do terreno onde as ervas daninhas se alastravam, perguntou a ele, sem dar tempo de resposta:


- Como vai querer o seu chá hoje?


Yan, depois de uma pausa reflexiva, deixou o ramo de ervas de lado, agachou-se, e em silêncio, pôs-se a remover as ervas daninhas também.

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